O ébrio das estrelas
- Alekxis Prinz
- 13 de jun. de 2019
- 3 min de leitura
O taxi percorre as ruas estreitas do Campo do Ourique, em Lisboa. Vou olhando tudo que as janelas do carro me permitem: os prédios antigos com suas roupas estendidas nas janelas, as praças, as pessoas do bairro, concentradas em sua rotina de afazeres, caminhando pelas ruas. Não é uma região tradicionalmente turística, mas mesmo assim, completamente pitoresca.
Em frente ao número 16 da Rua Coelho da Rocha o carro para. O motorista do taxi vira para trás, me encara com um olhar de desdém e dispara: “Vais entrar na casa do maior bêbado de Portugal!” Depois, arranca o carro com um risinho na boca, como se dissesse: não entendo esse pessoal que vem aqui!
Paro na porta do sobrado majestoso e bem conservado. Como muitos dos prédios portugueses, está colado à calçada e, imediatamente, vejo com alegria o que pretendia encontrar: o poeta-astrólogo Fernando Pessoa. Não ele propriamente dito, uma vez que não sou médium, mas sua carta natal. Ela está estampada na pedra do hall de entrada de sua antiga residência e hoje transformada na Casa Fernando Pessoa. Como num passe de mágica, mostra com clareza toda a sua personalidade e motivação pessoal em vida. Neste mapa podemos ver o Sol, Vênus, Netuno e Plutão no signo de gêmeos, o mais versátil, comunicativo e mental do zodíaco. Apenas por estas configurações já podemos entender porque Fernando desdobrava sua obra entre tantos heterónimos - autores fictícios criados por ele – e porque muitos o consideravam meio louco. Mas, basta ler um pouco de sua obra para perceber que eles eram um instrumento criativo, meio maluco com certeza, mas também genial e único. O que muitos não sabem é que Fernando Pessoa foi além de dar apenas nomes diferentes. Ele lhes deu vida! Através de datas de nascimento distintas, gerou um caleidoscópio astrológico com personalidades complexas, diferentes, e ao mesmo tempo, complementares à sua própria identidade. Seu eixo comum era o planeta Mercúrio, o mensageiro dos deuses e regente do signo de gêmeos.
Mais adiante, percorro os cômodos da casa e chego à biblioteca. Repleta de obras particulares de diferentes e inusitados assuntos que o poeta foi colecionando ao longo de sua vida, além claro, das suas próprias contribuições literárias, encontro o exemplar de seu primeiro poema publicado no jornal O Imparcial: “Quando a dor me amargurar”. Percebo que temas sobre a dor e a morte são recorrentes em sua obra e em suas reflexões pessoais. Pessoa, com o Sol posicionado na casa da morte e o ascendente em Escorpião, como não poderia deixar de ser, tinha verdadeira obsessão pelo tema e demonstrou isso nos diversos cálculos, textos e cartas astrológicas que estudou. Em seu baú particular estão milhares de anotações, poemas, textos e mapas astrais de seus clientes notáveis ou desconhecidos.
Volto feliz com as minhas descobertas ao centro da cidade. Aproveito para dar uma passada no Café A Brasileira, ali no Chiado e que é caminho do hotel. De certa maneira, uma visita ao café complementa todo o roteiro do dia de hoje, pois Pessoa gostava de passar o tempo com os amigos neste lugar. Porém, ao entrar no café lotado, vislumbro uma pessoa conhecida sentada na última mesa ao fundo. Rodeado de amigos, mais alegre do que sóbrio, com mais vinho do que café no corpo, está meu amigo taxista.
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